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Pacotinhos de Noção

A noção devia ser como o açúcar e vir em pacotinhos, para todos tomarmos um pouco...

A noção devia ser como o açúcar e vir em pacotinhos, para todos tomarmos um pouco...

Pacotinhos de Noção

07
Set21

O alheamento do Miguel


Pacotinhos de Noção

Momento-da-entrevista-de-Sousa-Tavares-a-Costa-queNuma entrevista ao Primeiro-ministro, onde foram dadas tantas voltas para não recebermos nenhuma informação relevante, e em que se ficou a perceber que aos olhos de António Costa, Paulo Rangel será o mais provável sucessor de Rui Rio (calha bem, depois do que escrevi ontem) a populaça apenas se cativou pelos 2700 euros do primeiro emprego do jovem, que Miguel Sousa Tavares há-de ter sido.

Devo dizer que Miguel Sousa Tavares desperta em mim algo de bonito, uma vez que cada vez que abre a boca a única coisa que me vêm à cabeça é a frase "Estás bonito, estás". A culpa é da TVI que o coloca aquela hora, em que provavelmente já vai jantado e bem regado. Mas os bêbedos também podem ter voz activa, mesmo que a voz pareça mais o coaxar de um sapo. Mas é deixá-lo coaxar... falar, digo.

Ainda assim queria sublinhar que, e lamento se realmente eu estiver certo e a maior parte do pessoal estiver apenas a utilizar este exemplo porque de resto nada conseguiram tirar da entrevista, o Miguel Sousa Tavares fez o chamado de "supondo que".

"Supondo que" um jovem no primeiro emprego ganha 2700€, é um "supondo que" parvo, estúpido e irreal, porque se um jovem conseguir no primeiro emprego chegar aos 700€, não estará no bom caminho mas estará no caminho habitual no nosso país. E sim, estou a falar de pessoal licenciado. Hoje há pessoal licenciado que começa por ganhar muito próximo do salário mínimo nacional, e se querem querem, se não querem metam-se num avião e vão trabalhar no estrangeiro, onde por pouco que sejam mais valorizados, ainda assim são-no mais do que aqui. Conheço muitos casos assim, que não estão felizes pois prefeririam estar em casa, junto dos seus, mas que se recusam a ser gozados no seu recibo de vencimento.

Esta realidade não é só culpa das entidades patronais, que por cada funcionário que têm pagam uma batelada de dinheiro ao Estado, que vai ainda buscar outra batelada ao vencimento de quem trabalha. E quão maior for o vencimento maior é o ro(u)mbo.

Voltando ao Miguelito, que deu um exemplo estúpido porque a realidade dele é diferente.

Será que quem me lê neste momento é assim tão diferente dele?

Pergunto porque nesta pirâmide social em que vivemos não é só quem está lá mesmo no topo, no pico do pico, que não olha para baixo. Para cima todos olham, para invejar e desdenhar o que o outro ganha, e eu até acho que nem tem mal nenhum, se o facto de invejar fizer com que sonhem que um dia lá poderão chegar. Afinal de contas sonhar não custa e por semana há dois sorteios do Euromilhões. Nunca se sabe. Uma coisa é certa, a trabalhar nunca lá chegarão, e a roubar só se tiverem os contactos certos. Mas voltando ao alheamento do Miguel, que afinal é geral.

Existe toda uma classe média que tem mulheres-a-dias e que tentam pagar o mínimo possível à hora a essa senhora. Essa mesma classe média é a que se queixa de que o seu filho ganha pouco no primeiro emprego, até porque houve um grande investimento na universidade privada do seu menino, ignorando o facto de que aquela senhora a quem ela tenta pagar o mínimo possível à hora, para conseguir chegar ao fim do mês com um ordenado que se veja, tem que trabalhar em mais duas ou três senhoras por dia, sendo que todas elas gostariam de lhe pagar menos do que aquilo que pagam e que o filho não anda na universidade, por muito que ela gostasse, mas a vida não lhe permitiu. Ah, e o primeiro que se lembrar de dizer que estudando teriam acesso a bolsas, podem agarrar nesse argumento e enfiar bem fundo na bolsa. As bolsas não são comparticipadas na totalidade. Há sempre gastos numa universidade, que alguém que é filho de uma mulher a dias, por muito esforço e vontade que tenha, não vai conseguir suportar.

Mas estas pessoas da classe média também trabalham, e trabalham para aqueles que gostam que os funcionários vistam a camisola e, como todos sabem, vestir a camisola no nosso país é trabalhar o máximo que conseguires, cumprindo objectivos estapafúrdios, com prazos ridículos, para que a empresa X fique satisfeita com a empresa onde a pessoa da classe média trabalha, para assim garantir mais contratos promissores que vão garantir que o patrão ganhe muito dinheiro, com o mínimo do seu esforço, mas não dando grande valor ao esforço de quem trabalha, para que a sua empresa cumpra os tais objectivos. Mas não podemos levar a mal o patrão. É que ele é como o Miguel, está lá em cima e a realidade dele é diferente da realidade do cidadão comum, assim como a realidade do cidadão comum é diferente da do cidadão de baixa classe social, assim como a do cidadão de baixa classe social é... Esqueçam, abaixo pouco há. A base da pirâmide é esta e se a base for composta pelos que menos têm nunca chegaremos a lado nenhum, porque uma base fraca acabará por se desmoronar. E isto é um facto a que não podemos ficar alheios.

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