A estrada é uma selva
Pacotinhos de Noção
Vários ciclistas cortaram hoje a Avenida da Índia, em Lisboa, como forma de protesto e em memória da ciclista grávida, de origem italiana, que morreu atropelada há poucos dias.
Em relação a este caso específico devo apenas dizer que se gerou uma tempestade perfeita. Uma grávida de bicicleta e um tipo de 80 anos que muito provavelmente já não deveria conduzir.
O facto de estar grávida e andar de bicicleta já é só por si perigoso. Eu a andar a pé às vezes já me mando para o chão, se tivesse um ser no ventre não ia tentar a minha sorte. Mas a senhora tentou e não deveria ter morrido por isso. Nem ela nem o bebé.
O senhor alega que não a viu, por causa do sol, e até acredito que possa ser verdade, mas também acredito que não a consiga ter visto porque já não tem os olhos de antigamente, ou porque quando a viu já não teve reflexos para se desviar.
Já na última 2a feira, em Cascais, um senhor, também de 80 anos, atropelou um GNR que procedia ao comando da circulação do trânsito numas obras. Isto levanta um problema que tem sido constantemente ignorado e que são as renovações das cartas de condução em indivíduos de idade mais avançada.
Daquilo que tenho conhecimento as renovações das cartas em indivíduos com mais de 60 anos requerem apenas um atestado médico electrónico e acima dos 70 um certificado de aptidão psicológica, o que considero que é claramente pouco. No meu entender, a partir de determinada idade, quem quisesse a carta renovada deveria ter que prestar prova psicológica mas também teria que fazer novo exame prático de condução. Todos os dias vejo pessoas que não deveriam sequer poder ter uma tesoura nas mãos, mas que, para meu espanto, entram num carro e arrancam... Aos soluços e aos S's, mas arrancam.
Em relação à vigília da Avenida da Índia. Eu até percebo que os ciclistas queiram mais segurança, mas alguns dos argumentos utilizados não fazem muito sentido.
Ouvi coisas como "As estradas não são dos carros", "Os carros têm que andar a 30 na Marginal", "Os acidentes entre automobilistas e ciclistas são propositados, 90% das vezes" e que " Os ciclistas podem andar aos pares, podem andar em grupo e os carros têm que passar 1,5m de distância".
No meio de tudo isto há coisas certas, erradas e absurdas.
Os ciclistas podem andar em grupos desde que andem a pares e uns atrás dos outros. Aquilo que testemunhamos todos os dias é que quando vão em grupo não só não andam a pares, como não param em vermelhos, e ocupam quase sempre toda uma faixa de rodagem por vezes até duas, o que acaba por tornar difícil respeitar a tal distância de 1,5m. Fica mais difícil ainda quando os ciclistas teimam em passar por entre os carros, e nem sempre quando estão parados.
Andar a 30 na Marginal é ridículo. Não é uma via rápida mas é uma estrada que, sim senhora, pertence aos carros. Não é uma ciclovia e não é usada para o lazer. Todos os dias por ali passam pessoas que vão e vêm do trabalho e já basta as filas intermináveis que se apanham. Andar a 30 seria tortura.
Afirmar que os acidentes que acontecem são propositados é um comentário de gente doida a que nem vale a pena dar atenção.
O número de ciclistas aumentou e muito. Os automobilistas têm que ter em consideração que quem anda numa bicicleta acaba por estar exposto e não existe nenhum sistema de segurança que possa proteger alguém que vá neste tipo de veículo e que entre numa luta frente a frente com um carro. Já os ciclistas também têm que ter em consideração a sua vulnerabilidade e tentar prevenir-se e não achar que o facto de andarem de bicicleta lhes dá direitos superiores a todos os outros. O código da estrada vale para todos, andem de carro, moto, bicicleta ou trotinete.
A estrada é uma selva, mas até na selva há uma grande parte de animais que se respeitam uns aos outros.