Já não há prazer na esquina
Pacotinhos de Noção
Das várias coisas que ficam numa esquina, e da qual podemos obter alguns serviços prazerosos, aquela que escolhi para mim foi, já há algum tempo, a Padaria da Esquina.
Já visitei várias das lojas do Chef Vítor Sobral, mas a minha de eleição era a de Campo de Ourique.
Tinha os melhores pastéis de nata que já comi, rissóis de camarão divinais e tinham também uns rissóis de bacalhau de comer e chorar por mais. Os croissants Porto, recheados com doce de ovo, deixavam-me com água na boca só de olhar.
Falei nestas delícias, mas a oferta era muito variada, e parecia que não tinham fim. Havia sempre fila e às vezes desistia, pois a espera era prolongada, mas quando conseguia lugar a experiência era sempre agradável, quer pela comida, quer pelo espaço e também pela simpatia e profissionalismo dos funcionários.
Entretanto, não sei o que se passou. Não vou usar a pandemia como desculpa, porque já lá fui depois disso e a qualidade continuava a mesma, mas desde há uns tempos para cá, quase tudo mudou.
A oferta está reduzida e muita da que há, passou a ser intragável. Na 6.ª feira, ao almoço, já não havia quase nada, então comprei um pastel de massa tenra que, de tão oleoso, me deixou mal disposto para o resto do dia.
No Domingo, ao pequeno-almoço continuava a haver pastéis de massa tenra, mas havia alguns tão queimados que só de olhar fazia impressão. Infelizmente poucas coisas mais havia e não faz sentido que num Domingo, às 10 da manhã, não exista quase nada para um pequeno-almoço.
Sentámo-nos a uma mesa suja, que tivemos que pedir para limpar, mas não sem antes termos ficado um longo período à espera, pois a loja estava vazia, mas não era só na montra da pastelaria. Estava vazia de clientes, e estava também vazia de funcionários, que estavam todos metidos lá para a copa, talvez também eles a tomar os seus pequenos almoços, pelo menos é a conclusão a que chego, tendo em consideração que quando alguém apareceu, vinha a mastigar.
Bem sei que não nos devemos guiar pelas aparências. É um erro comum e podemos estar a ser injustos, e aqui provavelmente até estarei, porque o facto de alguns funcionários terem o aspecto de terem fugido da prisão, não significa que tenham fugido da prisão, podem pura e simplesmente estar apenas em liberdade condicional.
Mesmo a maneira como se dirigem ao cliente passou a ser demasiado informal. Não quero que me tratem por doutor ou engenheiro, mas também não quero que me tratem por tu... Quer dizer, não é o "TU" que me incomoda, se for a ver bem a coisa. É a utilização de um "TU" que soa muito a reles, a ordinário. Acho que não me consigo explicar muito bem nesta matéria, mas dirigirem-se a mim com um "posso ajudar-te nalguma coisa" é muito diferente de um "então o que é que vais comer"... Não sei, aqui posso estar a ter um preciosismo que só acontece porque todo o conjunto é mau, mas realmente não me agrada.
Pedi "dois garotos frios, branquinhos, quase sem café", que eram para os miúdos, e "um abatanado menos de meia chávena" Apareceram-me dois garotos castanhos escuros, a escaldar e um balde de café a transbordar. Dei conta do engano e a primeira pergunta feita foi se eu queria que alterassem!! O cliente não tem sempre razão, não me rejo por essa bitola, mas que raio, se faço um pedido, e não vem conforme pedi, acho que não é preciso ser um mestre da dedução para presumir que quero como a princípio solicitei.
O abatanado voltou dentro dos conformes, os garotos voltaram quase tão escuros como os primeiros.
Com calma falei com a menina e expliquei que são garotos para as crianças, não podem vir a escaldar e é para ter o mínimo de café possível, quase nada.
A rapariga entrou em parafuso e disse que não sabia como fazer porque aquilo que tinha feito já era ter tirado uma italiana e depois juntou leite, por isso não dava para fazer de outra maneira. Tive que sacar do meu diploma de Harvard e dizer-lhe para despejar aqueles garotos quase até ao fim e depois encher o resto da chávena com leite. Ela fez aquele característico estalido de língua, de quem está muito chateado, e foi fazer o que lhe pedi.
Não sei se ficou com dores de cabeça, se vai ter que ficar de repouso uns dias em casa por conseguir esta proeza, mas no fim lá vieram os garotos quase como pedi.
A culpa não é destas pessoas, cujo único objectivo é conseguirem trabalhar 22 dias para receberem um ordenado ao fim do mês, e irem acumulando tempo até ser possível voltarem a receber subsídio de desemprego. A culpa é do Chef Vítor Sobral, que tinha equipas que funcionavam bem, que sabiam atender, que tinha um serviço e um produto de primeira qualidade, mas que de repente passou a permitir que quem para ele trabalhe, não tenha o mínimo de qualificações, nem sequer sociais.
Bem sei que, entretanto, abriu restaurantes que lhe poderão dar um retorno financeiro mais atractivo. Não acredito muito nisso, mas tudo bem. Agora o que isso não pode significar é que os negócios que antes tinha, e que eram de impecável qualidade, agora fiquem abaixo até ao de algumas pastelarias que existem ali à volta.
Não sei se este será um caso de "cria fama e deita-te à sombra", mas a verdade é que vou experimentar a Padaria da Esquina de Belém, e se o serviço for sofrível como na de Campo de Ourique, perdem uma família de, pelo menos, quatro clientes.