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Pacotinhos de Noção

A noção devia ser como o açúcar e vir em pacotinhos, para todos tomarmos um pouco...

A noção devia ser como o açúcar e vir em pacotinhos, para todos tomarmos um pouco...

Pacotinhos de Noção

19
Out23

Feios, Porcos e Maus


Pacotinhos de Noção

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Nos últimos 2 meses andei mais vezes de autocarro do que tinha andado em toda a minha vida.

Usar este transporte fez-me ficar com uma percepção da sociedade ainda mais desanimadora do que a que tinha anteriormente.

A falta de educação, e de noção das pessoas, atinge hoje níveis que julguei não ser possível. Testemunhei conversas de "senhoras" que fariam corar até o Fernando Rocha, mesmo após contar a sua anedota mais porca de sempre. Um tipo linguagem que nos faz imaginar que aquela pessoa terá uma família, talvez filhos, ou até netos, e se depois de tanta vida passada, não tem a capacidade de conceber que existem maneiras de falar em público, que se devem evitar, então não quero imaginar de que forma se comportarão as gerações da família, posteriores à dela.

Assisti a agressões físicas, a tentativas de agressões, a agressões verbais, a ameaças de agressão da parte de outros automobilistas, a acidentes causados, apenas e só, devido à estupidez com que actualmente se conduz.

Assisti a passageiros que não respeitam o motorista, e o seu trabalho, fazendo sinal, na paragem, para que o autocarro parasse, apenas para depois perguntar a que horas passa determinada carreira, que não aquela.

Testemunhei que, mesmo sendo 7:30 da manhã, existe pessoal que opta por utilizar o perfume "Eau de Sovac", empestando a brisa matutina, que se respirava dentro do veículo.

As pessoas estão porcas, diria até que estão javardas, e assim dá para compreender o porquê da pandemia se ter espalhado tão rapidamente, como aconteceu.

Referi-me a situações a que assisti nas minhas viagens de autocarro, mas o quotidiano está pejado de exemplos que mostram a podridão a que a sociedade está a chegar, e, quanto a mim, não mais de lá sairá. E não vai sair porque se sente confortável, é-lhe muito mais prático, e natural, ter comportamentos de idiota, do que saber controlar-se minimamente, nem que seja apenas para fingir que se é um ser até capacitado para comer de talheres... Esperem lá, mas que parvoíce a minha. "Um ser capacitado para comer de talheres". De repente passei a ser um tipo positivo, e nem reparei.

Como posso eu afirmar que são capacitados para comer de talheres quando, sem grandes esforços - pois basta visitar a área de restauração de qualquer centro comercial - para assistirmos à bizarrice que é ver algumas pessoas a comerem, até mesmo com as mãos. Se assim é, imaginem então o que seria se tivessem de utilizar artefactos tão esquisitos como um garfo, uma faca e uma colher.

Peço a quem me lê que seja sincero, e que diga se vê o mesmo que eu, ou é apenas implicância da minha parte. Vejo gente a enfiar comida na boca, que mais parece que estão naquele passatempo em que se tem que enfiar dezenas de pessoas num Mini. Outras que abrem a boca de tal forma que fazem lembrar uma anaconda, com a sua capacidade de desencaixar os maxilares, para assim engolir uma presa maior, e ainda há aqueles que se sentem tão à vontade no sítio em que estão, que se descalçam enquanto comem, e ainda dão o maravilhoso arroto no fim. Aproveitam e escarafuncham, também, ali a dentição toda, com o palito, na esperança de recuperar aquele pedaço de bife que ficou entre o molar e o canino.

Cuspir para o chão, e dar o mesmo destino a beatas e pastilhas, já era um acto asqueroso, mas o português consegue sempre superar-se, e agora gosta também de cortar as unhas em público. Falo no português porque é a realidade que tenho, e aquela a que assisto. Aqui o transporte era outro que não o autocarro, que trepida muito, o que prejudica a empreitada do corte da queratina. Lá estava o senhor, com o seu porta-chaves, que era um corta-unhas, e que lhe serviu, maravilhosamente, o propósito. Pois se tinha uma viagem para fazer, pois se tinha a unhaca comprida e um alicate ali mesmo à mão, não haveria de aproveitar? Pois está claro que devia. As unhas cortadas, essas, no chão é que estão bem, e alguém há-de limpar.

Sai na minha estação, com as unhas por cortar, mas ainda assim satisfeito por aquele asseado senhor, não se ter lembrado de que também tinha por fazer a sua depilação íntima. Das duas, uma. Ou não se lembrou, ou não tinha o porta-chaves apropriado para essa tarefa.

14
Set23

Regresso às aulas - P'ra esse peditório já dei


Pacotinhos de Noção

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Para mim é realmente um regresso.

Mais de 20 anos depois a rotina escolar voltará a fazer parte do meu dia a dia. Agora, sendo a personagem central o meu filho, que é quem vai iniciar-se no "incrível mundo da aprendizagem".

Quando era miúdo não gostava dos inícios dos anos lectivos. Não por nervosismo, mas porque havia uma série de professores novos, podia calhar algum que fosse uma besta, e porque no início do ano acho que é quando tudo se decide. Ou entramos muito bem, e o resto do ano flui naturalmente, ou começamos aos soluços e no final acabamos a soluçar. Mas ao que parece isso agora não acontece. Poucos são os alunos que soluçam no final do ano, e as mudanças não se ficam por aqui.

Bem sei que ser professor, e trabalhar para o Ministério da Educação, é quase tão recompensador como martelar pregos com a testa. Os professores ganham mal, são colocados a 134932 quilómetros de distância de casa, as casas para alugar estão pela hora da morte, e ainda assim tem que se morrer duas vezes. São impedidos de ensinar, pois têm um programa, imaginado por uns carolas, sentados nas suas secretárias, e não podem fugir daquilo que lhes é imposto.

Aquilo que eu desconhecia, na totalidade, era que o Ministério da Educação vive pelas ruas da amargura, e os professores, aqueles que ainda existem, têm agora que fazer o papel de pedintes.

Posso estar a incorrer numa grande injustiça, e a prática que vos vou contar ser apenas usada na escola do meu filho, mas estou em crer que não, porque a falta de vergonha na cara, que os sucessivos governos PS demonstram, parece que está sempre em modo "crescendo".

Na listinha de material que dão aos pais, no início do ano, tem o material habitual, como lápis, borrachas, canetas de feltro, alguns cadernos. Têm também alguns itens que me parece descaramento, porque, claramente, é material pedido para abastecer a escola.

DUAS RESMAS DE PAPEL - cada resma tem 500 folhas. Mesmo que todos os dias, o meu filho usasse duas na escola, para limpar o rabo, não iria conseguir dar vazão a tantas folhas. Dir-me-ão vocês que são para fichas, desenhos, e testes do meu filho. Para as fichas mandaram comprar cadernos de actividades e para os desenhos um bloco de folhas lisas. Poderia ser para os testes, se os mesmos não tivessem sido abolidos.

CANETAS PARA QUADRO BRANCO - As canetas de quadro branco são o nosso antigo giz. Não me recordo nunca de as minhas professoras pedirem para levarmos giz de casa. Aliás, não rara era a vez em que nós é que surripiávamos meio pau, para desenhar a macaca, o caracol, ou o labirinto.

Até aqui os meus amigos podem dizer que este é material para uso diário, para envio de recados aos pais, e coisas desse género, mas não deveria este material fazer parte do orçamento de cada escola? O Ministério não disponibiliza uma verba para a compra de material? Que moda é esta de pedirem aos pais dos alunos para abastecerem a escola? O passo seguinte será solicitarem o envio de rolos de papel higiénico, ou mandarem a factura da luz e da água, pela caderneta do aluno?

O último pedido é então mais ridículo pelo simples facto de ser pedido como se fosse um material qualquer, ou uma obrigação dos pais. Pedem 1 ou 2 livro para rechearem a biblioteca da escola, mas não podem ser uns livros quaisquer. Têm que ser livros abrangidos pelo plano nacional de leitura, e eles próprios admitem que é mesmo para aumentar a biblioteca da escola. As perguntas que fiz acerca do material volto a fazê-las. Não cabe ao Ministério prover para que cada escola tenha a sua própria biblioteca, o mais completa possível?

Se esta situação dos livros fosse feita em forma de pedido, e não tivessem ainda o descaramento de SÓ quererem livros do plano nacional de leitura, doaria com todo o gosto alguns livros, mas feito desta forma, como se fosse obrigação, e camuflado como material escolar, que não mais voltará, só me faz torcer o nariz.

Mas já vou ficando habituado. É o país que temos, graças aos políticos que temos, em que para mandar vir o papa rezar umas novenas, gastou-se milhões de euros, mas para resmas de papel, para a escola, não há dinheiro, e por isso que se peça aos pais.

24
Mai23

Tenham alguma empatia com este texto


Pacotinhos de Noção

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Parem de dizer que caminhamos para o abismo. Na verdade, já estamos em queda livre, e, ou temos um paraquedas que no salve, ou acabaremos esborrachados lá em baixo.

Faço esta analogia querendo referir-me ao pouco caso que fazemos do próximo.

Não interessa se o próximo é um vizinho, um amigo, um familiar, ou apenas alguém que passa por nós na rua.

Há o costume de dizerem que nos transformamos em pessoas mais fechadas, mais metidas connosco mesmos, mas não concordo. Acho apenas que estão todos muito mais egoístas e que não querem saber de nada nem de ninguém, a não ser deles próprios, e sim, “se eu não gostar de mim, quem gostará”, mas se só tu, gostares de ti, a partir de determinada altura a resposta será ninguém, e um dia mais tarde, nem tu mesmo gostarás de ti.

O "Pacotinhos de Noção" é uma página que critica, aponta erros e defeitos. Ocasionalmente também tem um ou outro artigo elogioso, mas a verdade é que não foi criado nesse sentido. 

Com o passar dos tempos fui observando e tomando consciência de como o ser humano consegue ser odioso. 

Trata mal as pessoas, é badalhoco, julga que é o melhor e ainda tem pretensões de ser o dono da razão. Infelizmente, e talvez porque ainda não me insira tanto na classe destes odiosos, não tenho nem coragem, nem vontade, de entrar no bate boca com alguém que, no meu local de trabalho, por exemplo, tem comportamentos que só lhe ficam mal, mas, como vou acumulando todas as situações que acontecem, escrevo-as e tenho conteúdo para a página. É uma forma de escape como outra qualquer. Uns fazem um desporto de combate, outros jogam ténis, os importantes jogam golfe, e eu escrevo o Pacotinhos.

A fonte de inspiração é inesgotável, e tem jorrado cada vez com mais força.

Durante uns tempos andámos todos "paz e amor", porque havia uma pandemia. Batíamos palmas às janelas, fazíamos serenatas na varanda, agradecíamos aos que no meio da pandemia iam trabalhar todos os dias para nos servir, e andávamos com uns arco-íris a dizer que "Vai ficar tudo bem". Individualidades que percebem muito de sociologia, afirmavam que depois do período de dois anos de confinamentos e de consecutivas vagas, iríamos ter um período em que as pessoas iriam ficar sedentas de contacto, de toque, de proximidade... E tinham razão, mas talvez não do modo como imaginavam. Tem sido comum vermos vídeos de pessoal à batatada, mulheres aos puxões de cabelo numa bomba de gasolina, há notícias de facadas a torto e a direito.

E não é um fenómeno apenas de uma faixa etária, consideremos como "adulta". Quem tiver contacto com malta mais nova, julgo que não me irá desmentir, quando afirmo que afinal não são a geração mais bem preparada de sempre, e sim a geração mais desligada de sempre. Conheço uma família em que perderam o avô/pai. Membro inserido no seio familiar, que podemos até considerar pilar estrutural, mas que, na altura da sua morte, os netos, e um dos filhos, reagiram como se fosse só mais um Domingo de manhã, mas em que neste havia a maçada de ter que ir à missa. Tipos que cheguei a ver chorar a morte de gatos que tinham, mas que não verteram uma lágrima por aquele ente, que se julgava querido.

Aquilo que nos faz falta é a velha e boa empatia. Embora ensinar na escola?!

Se calhar não dá, ou se calhar não chega.

Tenho a opinião de que a empatia é uma construção sociológica utópica, assim como o é a sororidade, por exemplo. Ainda ontem comentava que actualmente, se uma velhota cair na rua, vai haver gente a rir, gente a filmar, gente a criticar o buraco, ou o degrau mal colocado, mas enquanto tudo isto acontece, a velhota continua no chão. Pareço, eu mesmo, um velhote a falar, mas dantes não era assim. Alguém ia logo ajudar a velhota

Culpados?

Pais, escolas, redes sociais.

 

 Pais - porque se demitem da educação e do afecto que deveriam dar aos filhos, tornando-os em seres sem formação e sem capacidade, ou interesse, em lidar com sentimentos.

Podem vir dizer-me que é falta de tempo, devido ao trabalho, que a sociedade opressora os obriga hoje a trabalhar mais do que se trabalhava antes. Tretas. O desinteresse, que muita gente tem pelos filhos, vê-se claramente num qualquer restaurante, ou esplanada, em que, num momento que está a ser passado em família, não ligam nenhuma aos filhos. Não dão um carinho, não dão um afecto, nada. Como vai uma criança aprender a amar, se o mestre que lhe deveria ensinar, é o primeiro a quem se deveriam meter as orelhas de burro?

 

Escola - as escolas hoje são depósitos de crianças. Funcionários e professores não estão lá para ensinar, nem para dar o exemplo. Os professores, mesmo que queiram, têm um programa que, basicamente, diz-lhes: "Não se metam em problemas. Chegando ao fim, é passar a canalha toda de ano, para na Europa termos números que nos consigam pôr depois um António Costa, ou um Galamba, num lugar de destaque".

É assim criado um facilitismo que dá a sensação ao aluno que não se tem que esforçar para nada, nem sequer para respeitar quem lhe tenta ensinar algo.

Por fim, 

 

Redes Sociais - as redes sociais são covis de futilidade, de mentira, de exposição de um EU transformista, que em nada tem que ver com aquilo que a pessoa realmente é.

Importa ter gostos, importa ter parcerias, importa causar impacto, e o melhor amigo passa a ser o smartphone que serve de portal para todas umas vidas que não existem, mas que parecem sempre ser uma perfeição.

Estas plataformas sugam de tal forma a atenção de alguém, que quando há uma falha, numa delas, os suores frios começam a surgir, porque não se tem acesso ao mundo fictício que se criou, e porque se começa a gerar o medo de que de pode ter que interagir com um ser real, que poderá até, se ainda o souber fazer, conversar com ele.

Este é daqueles textos que acaba sem uma conclusão, porque a mesma não existe. Vamos continuar a apodrecer e, acredito que, dificilmente este seja um processo que seja possível interromper.

Até lá, olha, é tentarmos não nos corromper com essa falta de empatia, de simpatia e de capacidade de nos colocarmos, verdadeiramente, no lugar do outro.

31
Ago22

Duas formas de ver estrelas


Pacotinhos de Noção

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Quase a terminar as férias, hoje decidimos fazer uma visita ao Planetário. 

Só lá tinha ido em miúdo, ainda na escola primária, a minha mulher nunca foi, e o nosso filho iria gostar de certeza.

Em relação ao preço dos bilhetes não achei escandaloso. 15 € chegaram para dois adultos e uma criança de 5 anos.

Escolhemos a sessão que melhor se adequava à idade e ficámos agradavelmente surpreendidos por perceber que o Planetário não é uma atracção esquecida pelas pessoas. Estava uma sala bastante agradável e até o conferencista mencionou o facto.

A sessão foi óptima, o meu filho gostou imenso e foram 40 minutos que passaram num instantinho.

Esta foi a parte positiva, e agora falemos da outra, mas que em nada tem que ver com o Planetário, ou quem nele trabalhe.

Tenho duas crianças, uma de 5 anos e outra de 1 ano e 10 meses. Obviamente, e como qualquer ser minimamente pensante, não me passou pela cabeça imaginar levar a mais pequena a uma sessão numa sala escura, onde se requer silêncio e  alguma atenção, pois a primeira coisa que me enervou um bocadinho foi, na fila da bilheteira, um idiota que reclamava por não permitirem a entrada da sua pequena de ano e meio. Não conseguia perceber o porquê desta situação, e estava até a sentir que estaria a ser prejudicado na sua condição de pai...

Acho não haver muito o que dizer aqui. Se aquela besta não percebe o porquê, parece-me sensata a atitude do senhor da bilheteira que lhe respondeu um seco "Pois é, mas não pode." E pronto, é ignorar e seguir.

Não sei se estão familiarizados com o edifício do Planetário de Lisboa. As bilheteiras são no R/C, e a sala de projecção é no primeiro andar. Antes da sessão as pessoas aguardam num pequeno átrio onde estão expostos o antigo projector do planetário, e um antigo e enorme telescópio. Estive a explicar ao meu filho o que aquilo era, fingindo-me de sábio e entendido, pois é só por esta altura que conseguimos iludir os nossos filhos, e ele, talvez interessado, ou apenas de simpatia extrema, parecia ouvir aquilo que lhe dizia. Bem, para dizer a verdade não sei bem se ouvia porque, a determinado momento, deixamos de estar em Belém e fomos teletransportados para Sete Rios, mais propriamente para a Aldeia dos Macacos, no Jardim Zoológico. É que os pequenos seres retardados que ali se encontravam em espera, decidiram usar, tanto o telescópio, como o projector, como ferramentas de equilibrismo, e começaram a trepar por eles acima. Isto entre guinchos e gritinhos que nos furavam os tímpanos como se a Sharon Stone nos estivesse a cravejar o picador de gelo no cérebro.

Esta tortura parou porque, entretanto, começamos a entrar na sala.

Como disse sou pai de duas crianças. Não são anjinhos, longe disso. Tem dias que me moem tanto a cabeça que até dá pena não fumar, só para ter a velha desculpa de que "vou comprar tabaco e talvez volte", mas o tipo de comportamento que têm em público, principalmente o mais velho, em nada tem a ver com a maneira como se comporta em casa. Na rua até parece uma criança educada, evoluída e respeitadora. Quem o vê, quer ficar com ele, e de facto entrámos na sala, ele cumprimentou o conferencista, sentou-se e ficou a falar connosco, os pais, tirando dúvidas, perguntando o que iríamos ver. Já os macaquinhos que estavam lá fora, entraram também, e as cadeiras do Planetário, as quais são quase como marquesas para nos deitarmos, passaram a ser trampolins para os meninos saltarem. Eram muitas Carlotas, Matildes, Salvadores e Vicentes. Curiosamente os Fábios e os Rubéns, estavam sentadinhos com os seus pais, todos com os "caps" de pala para trás, e com as suas t-shirts de cava, mas caladinhos e com um comportamento bem civilizado. Parece que aqui para os lados de Cascais, as regras da boa educação são apenas algo que fica bem em livros de etiqueta, na revista Hola! e quando a Madalena Abecasis manda que assim seja.

Perguntarão vocês, "onde raio estão os pais destas crianças?"

a progenitora, que incomodavam quem ali foi para passar um bom bocado, e que eles não o estavam a permitir. Fiz esse meu "schiuu" e ainda bem que o fiz, porque resultou exactamente da mesma forma como se não o tivesse feito...

É isso mesmo. Nem ligaram. Ninguém quer saber se incomoda ou não, e a  grande vontade com que fiquei foi a de levantar-me e começar a distribuir chapadões, e desta forma as estrelas que iríamos ver não seriam só as projectadas no tecto do Planetário. Só não o fiz porque tive em consideração as regras da civilidade, da boa educação e porque poderia haver um pai, ou até uma mãe, maior ou mais forte do que eu, e também eu poderia ficar a ver estrelas.

21
Abr22

Prefiro viver de aparências


Pacotinhos de Noção

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Na música de 1986, "Efectivamente", dos GNR, Rui Reininho canta que "Efectivamente gosto de aparências".

Já eu, numa efectividade não tão sublinhada, devo admitir que tenho reparado que nos começa a fazer falta viver um pouco mais de aparências. Passo a explicar...

Estou farto de andar na rua e ver gente suja, porca e feia. A fealdade a que me refiro não é a física, acalmem-se já os puritanos, pois ao lerem as próximas linhas, e se fizerem um pequeno exercício, que nem terá grande uso da memória porque é algo actual, e acabarão por concordar comigo.

Este sentimento vem sendo diário, mas hoje uma situação despoletou alguma raiva e nojo em mim. Enquanto tomava o pequeno-almoço, num café próximo de uma estação ferroviária, apareceram, um senhor da CP, que vende bilhetes e que por acaso também é comercial da REMAX, e duas funcionárias da limpeza dos caminhos de ferro. Logo ao entrar transformaram o estabelecimento numa estrebaria, rindo e falando muito alto, com as suas caras ramelosas e os seus cabelos oleosos, característicos de quem toma banho nos primeiros Domingos de cada mês. Lavar os dentes é coisa que não sabem, e água naquelas trombas só acontece quando apanham um dia de chuva. Colocaram-se ao balcão para depois exigirem a sua bica sem princípio, outra em chávena fria e a terceira tirada em máquina italiana, montada por pigmeus indonésios, numa noite de lua cheia laranja. Sim, porque higienização é coisa de burguês, mas se pagam 0,75 € por um café, ai meus amigos, tenham paciência, mas esse café há de ter todas as características que eles exigirem!

Ora sucede então que, sendo já a aparência destes monumentos à badalhoquice algo de asqueroso, o "senhor" da CP e REMAX, decide todos presentear com um valente arroto, ali ao balcão e, as madames que o acompanhavam, de tão contentes que ficaram com o feito, começaram a gargalhar que nem duas mulas zurrantes. É importante referir que não falamos de garotada. Tudo gente entre 40 e 50 anos, talvez até mais.

Constatei logo ali que o aspecto daquelas pessoas, sendo já tão sujo e desleixado, mesmo assim deixa a desejar quanto à porcaria e à sujidade que lhes passa na cabeça.

Quem no seu perfeito juízo tem este comportamento? Quem, com dois dedos de testa, faz estas badalhoquices quando enverga o uniforme da empresa onde trabalha, mostrando assim que o pessoal contratado não é qualificado, nem socialmente?

E isto leva-me a querer viver de aparências porquê? Porque gente porca e sem noção sempre houve e vai continuar a haver, mas perdeu-se completamente a vergonha, e se dantes, estes mesmos porcos só o eram em casa e entre amigos, agora passaram a sê-lo em qualquer lugar e "quem não gostar que não coma, que ponha na borda do prato". Mas que prato, senhores? Existirá algum sítio que sirva estrume num prato? É que malta desta é igual a estrume. Pelo menos no aspecto, no cheiro e na atitude são-no, muito embora o estrume sirva ainda para fertilização de terras, e esta gente para pouco servirá.

Sou saudosista, por isso gostava do tempo em que as pessoas tinham o mínimo cuidado no vestir, quando a farda comum não era leggings do chinês, e polares cheios de borboto da Decathlon. Quando ainda se esforçavam um bocadinho e que quando não tomavam banho tentavam disfarçar o fedor, nem que fosse com perfume do chinês. Mas agora não, ou cheiram a cavalo, ou a sopa velha.

Gostava que voltássemos àquele passado recente em que alguém que trabalhava num café, fingia limpar o balcão para mostrar estar ocupado. Agora o balcão fica todo sujo, as mesas por levantar e ainda temos que aguardar que a pessoa acabe de responder àquele WhatsApp tão importante.

Saudades do tempo em que quem se atrasava pedia desculpa, com uma desculpa tão má que dava para perceber ser mentira, mas ao menos tentava desculpar-se, era uma questão de respeito. Agora quando alguém se atrasa nem comenta, ou então afirma que "é assim mesmo e que não consegue mudar. Que não é defeito é feitio"!

Quando se vivia com aparências os "Bons dias", "Boas tardes" e "Boas noites" eram respondidos, agora, mesmo que eu repita o cumprimento, há o descaramento de fazerem cara de pau e nem sequer responderem.

Quando vou a uma loja de roupa sei de antemão que não sou bem-vindo pelos funcionários. Afinal de contas, se não receberem à comissão, ganham o mesmo estando ali eu ou não, mas por acaso naquele momento até estou, e não me importava mesmo nada de um bocadinho de cinismo, de fazerem uma aparência de que até lhes importa que ali esteja. Não porque queira ser apaparicado, mas apenas por uma questão de educação e por uma questão de lógica. É que se sou tratado com indiferença, aquele lugar para mim não passa a ser indiferente, passa a ser antes um lugar a evitar, e depois o patrão não ganha dinheirinho para pagar os ordenadozinhos e depois vai tudo para o olhinho da ruazinha, sem perceberem muito bem porquê, porque na óptica deles, "o patrão até tinha dinheiro".

Viver em sociedade é viver de aparências e para o constatar não é preciso ir muito longe. Quem tiver sogras sabe bem do que falo, assim como sabe quem trabalha, quem recorre a serviços, quem vive no dia-a-dia com uma coisa muito importante, mas que vai escasseando... Educação.

09
Mar22

Os fantoches que nos servem


Pacotinhos de Noção

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Sábado à noite e vou com amigos a um restaurante daqueles onde todas as pessoas vão.

Servem almoços e jantares e com tanto movimento obviamente que os funcionários já estão com algumas horas de trabalho nas pernas.

Sento-me e aguardo pelo senhor que nos há de atender. Vejo-o atrapalhado, a andar para a frente e para trás, levando tabuleiros numa mão, garrafas de vinho na outra, e se mais braços tivesse, mais coisas levaria, mas é o trabalho dele. Cada um com o seu, e também ninguém me vai lá ao escritório fazer o trabalho por mim.

Já começo a bufar porque estamos à espera há uns bons 10 minutos. O tipo passa por mim, pede desculpa e diz que vem já ter connosco. Entretanto, vejo-o a ir entregar uma conta, uma salada de frutas e uma mousse.  E EU ALI SENTADO À ESPERA...

Quando finalmente vem ter connosco, devo dizer que a figura mete-me um pouco de impressão. Todo suado e desgrenhado, com ar de quem correu uma maratona, e aspecto visivelmente cansado.

Fazemos o nosso pedido e ficamos à espera novamente. Raio do pessoal do restaurante que parece que não sabe trabalhar mais rápido.

Vinte minutos depois, estou eu e os meus amigos a deglutir os nossos pratos, em amena cavaqueira. O funcionário lá continua, feito barata tonta, de um lado para o outro. Se tem trabalho a mais que diga ao patrão para meter mais pessoal.

Hora de pedir sobremesas, o cafézinho, e algum do pessoal vai pedindo uns calicezinhos disto e daquilo. O raio do empregado tem o desplante de vir dizer que é quase meia-noite, e que tem que fechar o estabelecimento. Mas qual é a pressa do tipo, não aguenta mais uns 15/20 minutos, para acabarmos a nossa conversa e os nossos cálices? Estes tipos não querem fazer nenhum, e depois ainda se queixam não haver trabalho.

Esta introdução é ficcionada, mas é baseada em muitos comentários que já ouvi, atitudes que presenciei e até em pensamentos que ocasionalmente posso ter, mas hoje deu-se-me uma epifania e dei por mim a pensar em como por vezes consigo, ou melhor, conseguimos (não vou arcar com  as culpas todas, sozinho) ser injustos, e pouco compreensivos para quem trabalha.

No exemplo que dei, seria positivo ter em conta os quilómetros que aquele empregado de mesa já poderia ter percorrido, só naquele dia, e que se não tem mais colegas que o ajudem não será por vontade dele. Quando somos servidos a maior parte das vezes esquecemos que aquela pessoa que está atrás do balcão não é parte do balcão e que a sua vida é muito mais para além daquilo.

Uma das coisas que mais me incomoda ouvir nalgumas lojas de comércio local, que são normalmente geridas apenas pelos proprietários, é a pergunta "Vocês estão sempre abertos?" Não passa pela cabeça daquela pessoa que todos têm direito ao descanso físico e até mental, para se refazerem de ter que lidar com idiotas que fazem estas perguntas.

Em negócios maiores até posso tolerar, visto que poderão existir mais funcionários, mas em lojas de rua, e lojas familiares...

O total desrespeito por horários também faz-me eriçar os pêlos da nuca. No outro dia, eram umas 18:30 e observei uma "simpática" senhora, que vendo que dentro de um laboratório Germano de Sousa estava uma funcionária, começou a bater desenfreadamente à porta. Uma porta de vidro laminado, bem limpa, por sinal, que tinha como puxador um magnífico tubo de alumínio, e em letras garrafais, que se viam do outro lado da rua, um horário onde se via, explicitamente, que encerram às 16:30.

A senhora tanto insistiu, e gritava que só queria fazer uma pergunta que a rapariga lá teve que ir à porta. E a senhora de facto fez apenas uma pergunta. Perguntou "Estão fechados?"

A pergunta que agora eu vos deixo, caros compinchas leitores, é se um estalo valente dado na cara desta senhora, poderia ser considerado crime?

Não contente, a senhora que passa neste momento de senhora, a velha chata, lança o seu charme e diz que "já que está aqui, podia ver se estas análises estão prontas?"

A funcionária disse que não podia, ainda levou com a má disposição da velha, e lá voltou para o seu trabalho, que se atrasou uns minutos devido a alguém que julga que um outro alguém, que desempenha uma função de atendimento ao público, não é alguém, mas sim uma coisa, um adereço.

Para certas pessoas quem está atrás de  balcão não tem dores, não tem tristezas, não tem horários nem vontades. É engraçado que numa altura em que tanta gente discute a semana de 4 dias de trabalho, essa tanta gente pense que a semana de trabalho dos outros, deveria ser de 7 dias, e sem pausas sequer para dormir, que de calões está o Mundo cheio.

Segundo essas pessoas, mesmo que subconscientemente, no fundo, os funcionários, são apenas fantoches que estão ali para os servir.

02
Fev22

"Mas a mãe quer quer levar um estalo?"


Pacotinhos de Noção

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Há uns anos existia um anúncio do chimpanzé Gervásio.

O Gervásio conseguia separar o cartão do vidro e do metal e colocar nos respectivos caixotes de reciclagem. "Se o Gervásio consegue, tu também consegues" era o mote da campanha. A minha questão é a seguinte:

Visto que o Gervásio fazia a separação do lixo, o Gervásio passou a ser um chimpanzé educado, ou apenas um chimpanzé treinado?

Penso que não haverá grande contestação ao afirmar que tanto o Gervásio, como qualquer outro animal submetido a um treino, não passou assim a ser educado, e eu gostava de estabelecer um paralelismo entre o treino a que se submetem animais e a suposta educação que damos às nossas crianças.

Esta última frase tem tudo para correr mal e ser alvo de críticas, mas justificar-me-ei.

A primeira crítica é o treino aos animais. Não se amofinem já porque quando me refiro a um treino não falo de circos e coisas do género. Falo, por exemplo, do Piruças que têm em casa, que quando vê a trela já sabe que vai à rua, ou que vos dá a pata quando lhe pedem.

A segunda crítica é afirmar que existe relação entre o treino dos animais e a educação que damos às crianças.

Afirmo isto porque constato que cada vez mais as pessoas não percebem bem o que é a educação.

Educar não é instruir ao máximo uma criança para ela dizer "Olá, "Boa tarde" ou "Boa noite" quando os pais a recordam que o deve fazer. Isto porque se a educação funcionasse desta forma, as crianças manteriam o mesmo comportamento estando com os pais ou não.

De que adianta que o Joãozinho diga perdão, após mandar um valente arroto à mesa, se passado dois ou três minutos o vai fazer de novo porque pensa que ser educado não é evitar dar o arroto, ou controlar-se minimamente, mas sim pedir aquele perdão?

O Salvador e o Martim até tratam a mãe por você, mas podemos considerar serem educados quando dizem -"Mãe, você será estúpida?" ou "Mas a mãe quer quer levar um estalo?"

Este tipo de situações vão-se repetindo cada vez mais e observamos no quotidiano que a geração mais nova tem uma relação bastante afastada com o verdadeiro conceito de educação.

Miúdos barulhentos e mais "mexidos" sempre houve, mas os comportamentos pouco justificáveis, que vejo com regularidade, ultrapassam em larga escala os pequenos excessos normais da juventude e da adolescência.

Desde gritos descontrolados no meio da rua, assustando quem com eles se cruzam, a linguagem chula e ordinária, usada em alto e bom som, curiosamente cada vez mais usada por raparigas, à forma menos própria como se dirigem a alguém mais velho, ou como se comportam dentro de um qualquer estabelecimento comercial, demonstra que educação é algo à qual não tiveram acesso. Tiveram ao longo de algum tempo um treino dado pelos pais, pela escola e até pela sociedade, para poderem fingir que se comportam de forma minimamente aceitável, nalgumas situações específicas, mas é sempre sol de pouca dura e na realidade nem lhes podemos atribuir grande culpa, pois apenas reproduzem aquilo que lhes foi ensinado e etiquetado como educação, mas não é. 

Educação é algo mais e não se treina, ela vem como consequência de todo um ensinamento transmitido, que dará origem à formação de carácter de um indivíduo, e em que fará surgir naturalmente uma maneira de ser e estar a que poderemos então chamar de educação.

Gostaria de dizer que a verdadeira educação mais não é do que o ensinamento e a ajuda ao desenvolvimento da consciência na criança.

Ao desenvolver a consciência, a criança, e posterior adolescente, vão ter as ferramentas adequadas para conseguir perceber que o arrotar à mesa é rude, nojento e que não deve acontecer, que o tratar mal alguém, ainda para mais a mãe, é algo que nos pesará na consciência e que aquela pessoa que nos cria e viu nascer, não deve ser agredida de forma alguma.

A consciência é o que nos faz ter o discernimento entre o bem e o mal, que nos ajuda a agir correctamente.

Ajudar à formação da consciência não é difícil, basta-nos apenas conseguir passar valores positivos aos nossos filhos e não lhes dizermos tudo aquilo que realmente pensamos, porque quando damos a perceber aos nossos garotos o quão pouca esperança temos na população em geral, estamos assim já a demonstrar-lhe que não vale a pena que ele se torne alguém de jeito. E a verdade é que vale, porque vivemos agora uma crise social de valores, mas cabe a que cada um de nós, principalmente aos que têm filhos, moldar um futuro melhor, com mais camaradagem e harmonia social.

A ideia não me parece nada mal, agora implementar isto de forma a que sejam os computadores, os telemóveis, as redes sociais e os tablets a dá-lo a conhecer aos miúdos, para não ter assim que incomodar os pais, que têm também sempre algo mais importante para fazer, nos computadores, nos telemóveis, nas redes sociais e nos tablets, do que estar com os filhos, é que me parece mais difícil.

02
Nov21

Finaram-se a vergonha e a educação


Pacotinhos de Noção

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Ontem, dia 1 de Novembro, comemorou-se o Dia de Todos os Santos. Hoje, dia 2, será o Dia de Finados, dia em que normalmente se visitam as campas de entes queridos relembrando-os ainda mais do que noutros dias.

Como dia 1 é feriado e dia 2 não, é comum que as pessoas aproveitem o Dia de Todos os Santos para irem ao cemitério. Desde a morte do meu pai que este passou a ser um hábito, se bem que a visita à sua campa é bem mais frequente, pois sendo eu um agnóstico (por vocação e não por vontade própria) o único sítio onde consigo sentir que estou mais perto do meu pai é precisamente perto da cova onde foi deixado. É que fisicamente ele ainda está lá e para quem em nada acredita, não existe a situação de que depois de morta a pessoa está connosco. Para mim coisas como a alma, e a vida depois da morte são fabulações católicas, nas quais gostaria mesmo de acreditar, pois facilitar-me-ia muito a vida, mas não consigo. No entanto espero estar enganado e ter uma excelente surpresa quando o meu tempo acabar.

O cemitério estava cheio de gente que aproveitou este dia para limpar as campas, trocar as flores, rezar ou apenas estar lá, acreditando cada um naquilo em que acredita, seja diferente dos demais ou não, mas tendo todos em comum o respeito pelo momento que ali se vive...

Todos não. Quase todos.

O que vou escrever agora vai fazer com que seja conotado de xenófobo, racista, um pupilo do Ventura (personagem que não me diz nada e que acho que é mesmo apenas uma personagem que se não tiver tempo de antena tenderá a desaparecer) mas não é por receio dessas conotações que o deixarei de fazer.

Como referi o cemitério estava cheio, e não sei porquê as pessoas que se apresentavam em maior número eram ciganos. Mas em larga escala. Se houvesse 200 pessoas no cemitério 160 eram ciganas.

As mulheres estavam vestidas como se fossem numa qualquer saída nocturna e os homens em amena cavaqueira como se fosse um churrasco de Domingo.

A cada esquina do cemitério encontravam-se também ciganas carpideiras mais velhas que faziam o espectáculo habitual das carpideiras. Espectáculo que assim rapidamente como começava, também rapidamente terminava.

Até aqui tudo bem, tudo o que referi não me incomodava, eram apenas análises de situações e atitudes com as quais posso até nem me identificar mas que não me importunam, e por isso nem as devia sequer referir. Mas é agora que a situação muda.

Aos poucos o cemitério mais parecia um parque infantil, pois os miúdos ciganos decidiram que aquele seria o sítio indicado para brincarem.

A partir de determinada altura saltavam por cima das campas, corriam derrubando vasos, iam contra pessoas que estavam ali para repousar um pouco com quem desfruta do repouso eterno.

Os mortos, caso conseguissem, agarravam nas suas coisinhas e iam penar para outra freguesia, já que para chatear estavam ali aqueles putos charilas.

Mais chocante ainda foi ver os adultos a instruírem as crianças para irem incomodar as pessoas introspectivas com o famigerado "Pão por Deus", exigindo-lhes dinheiro.

Já é uma chatice quando vêm bater à porta. Situação que não gosto mas que ainda se tolera. Agora, fazer isto no cemitério e numa altura em que há ali pessoas que estão sensíveis.

Para piorar ainda mais destratavam quem não lhes dava nada, ou se as moedas fossem de valor inferior a 0,50€.

Entretanto os grupos de homens, com tanta conversa e tanta alegria, já se começavam a desentender e a falar alto uns com os outros e com cara de poucos amigos. Dava para perceber claramente que aquilo mais tarde ou mais cedo ia descambar, e como gosto pouco de confusões decidi "dar corda aos sapatinhos".

Na entrada do cemitério há uma casa que é o florista. Florista esse que já deitava as mãos à cabeça, porque os miúdos que não estavam a pedir "Pão por Deus" ou a saltar em cima das campas, lembraram-se que queriam flores para colocar nas campas dos familiares, mas pagar não estava nos seus planos e então tentavam roubar as flores ao homem.

Corajoso florista, devo dizer, pois até ameaçou dar uma palmada a uma das crianças, sujeito depois a levar um ensaio de porrada.

Agora gostaria de indagar o seguinte. Haverá aqui uma única alma que me consiga dizer que este tipo de comportamento é aceitável ou tem justificativa? Vão usar o argumento de que é a cultura "deles"?

O problema está neste "deles". É que embora tenham uma etnia, eles não são "eles". Eles são parte de nós e deveriam ter que se comportar como nós. O cartão de cidadão português que possuem não tem mais ou menos valor que o meu e a educação, essa então, é um valor que não olha a credos, raças ou etnias.

Em relação à cultura.

Touros de morte em Barrancos também é cultura. É para continuar? Se uma cultura é para manter porque é que a outra não? Porque numa se faz sofrer o animal? Tudo bem, dou de barato que este exemplo não seja bem escolhido, mas então e o casamento de miúdos de 14 e 15 anos? É cultura ou pedofilia? Os casamentos são arranjados, logo é como se fosse um negócio.

Um homem bater numa mulher é crime público, e muito bem, mas neles não. Neles é a cultura que assim o permite. Permite bater e fazer da mulher um boneco sem vontades nem votos na matéria. Podem até gritar muito alto e parecerem mulheres muito decididas, mas se "o meu homem me mandar dançar o vira, eu danço. O meu homem mandou."

Como vem sendo habitual começo os meus textos com um tema completamente diferente daquele com o qual vou acabar, mas até acho mais dinâmico desta forma porque assim falo de mais assuntos.

Fico agora a aguardar os polícias do politicamente correcto que venham criticar aquilo que escrevi.

Analisando assim de repente não me parece que exista nada que permita fazer interpretações enviesadas, mas isso sou eu que não leio os textos com a lupa da inquisição.

08
Out21

Deixem os meninos em paz!!!


Pacotinhos de Noção

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Moro a meio caminho de um Pingo Doce e de uma escola secundária.

Hoje, pelas 8 da manhã, por baixo da janela de casa ouço correria, gritaria, um baque e alguém a pedir que outro alguém não se levantasse. Ficaram curiosos? Também eu fiquei, pois corre-me no sangue a genética de gente cusca e codrilheira, e por isso assomei à janela.

O que passou-se, como diria Luís Filipe Vieira.

Passou-se que dois garotos, com os seus 15/16 anos, com as suas calças chino, da Timberland, bem curtinhas, decidiram ir roubar para o Pingo Doce, metendo guloseimas para dentro das suas mochilas da Eastpak. O alarme tocou e uma funcionária foi atrás deles. A correria que ouvi eram as solas de borracha dos Vans, dos betos meliantes a bater no chão e o baque que ouvi foi quando um dos Joões Maria atravessou a estrada a correr, para fugir da funcionária que calçava Seaside, e se espetou contra um Citröen de um senhor com uns 60 anos, que se estava a deslocar para o trabalho e que ficou com o guarda-lamas todo amassadinho.

"Ah, grande besta. O puto pode estar magoado e ficas preocupado com o carro!?"

Precisamente.

O gatuno de gomas estava meio abananado no chão e o senhor saiu do carro e disse-lhe para não se levantar, que podia estar magoado e que ia chamar os bombeiros. O miúdo não fez caso e começa a levantar-se por dois motivos:

O primeiro era a vergonha de ter ido contra um Citröen e não um Bentley ou um Jaguar, e a segunda era porque tinha que terminar a tarefa a que se tinha proposto, e que era fugir da funcionária do estabelecimento que roubou.

Nisto já se tinham juntado algumas pessoas, entre elas homens valentes e rudes, daqueles que trabalham a arranjar jardins e que gostam de assobiar às miúdas, e que são grandes valentões, que iam dizendo para o miúdo não se levantar, mas ele, consciente da sua missão de se pôr ao fresco, sob pena de chamarem a polícia, e os agentes da autoridade terem que interromper alguma importante reunião do Bernardo Sotto Mayor, pai do ladrãozinho, para lhe dizerem que o filho rouba em supermercados e ainda amolga Citröens, levantou-se e já ia começar a seguir caminho, mas o dono da viatura agarrou-o e afirmou que não o deixaria ir embora, pois amolgou-lhe o bólide.

Ao ouvirem isto os valentões jardineiros, insurgiram-se com o facto de o senhor estar preocupado com o carro e não com o bem-estar do miúdo. Ficaram tão indignados que pareciam pombos a arrulhar, de peito feito.

O condutor afirmou que também estava preocupado com o miúdo, obviamente.

Estávamos portanto numa cena quase de amor. Um cenário pouco dignificante para o menino de leite, é certo, mas um cenário amoroso... Ou quase. Lembram-se do outro João Maria, que também esteve a roubar?

Pois é. Como o seu rabo também estava na rota da seringa, e dela ele queria fugir, não podia deixar que o seu amigo, com o qual partilha a maneira de vestir, e de roubar, parecendo serem quase irmãos gémeos, fosse caçado, unindo então com ele força para em conjunto se virarem ao senhor condutor, de cerca de 60 anos, que ia no seu Citröen para o trabalho, e que agora está amachucado.

O homem, fraca figura, contra os dois betos atestados a gomas da Haribo, não teve hipótese e ambos conseguiram fugir.

Os jardineiros valentões que reclamaram com o senhor, ao verem a juventude a suplantar-se fisicamente contra alguém de mais idade, agarraram na sua coragem, e no seu "diz que faz" e enfiaram bem fundo, num sítio onde o sol não brilha. Mas como afinal eles não são só músculos, depois dos miúdos abalarem, deram um sábio conselho ao condutor. Recomendaram que fosse depois procurar na escola pelos miúdos, para eles pagarem o estrago.

Ora, as conclusões que tiro daqui são algumas e todas negativas.

Tiro aquela em que a malta nova é cada vez menos responsabilizada pelos seus actos. Aliás, não é já a primeira vez que vejo alguém a defender-se de malta mais nova, que comete um ilícito, mas que depois tem um grilo falante e defensor dos oprimidos, que pensa que ao defender quem faz trampa, vai ganhar o seu lugarzinho no céu.

Há anos vi um tipo tentar assaltar, com recurso a arma de fogo, um taxista em Almada. O taxista era primo do Chuck Norris, desarmou o puto gatuno e começou a dar-lhe aquilo que em bom português se chama de "ensaio de porrada". Apareceram logo umas velhas justiceiras a dizer para o taxista não bater no menino. Aquele menino, que segundos antes lhe tinha apontado uma arma à cara para lhe roubar o suor de um dia de trabalho. O gatuno, escusado será dizer, fugiu.

 Em ambas as situações quem foi ajudado foi sempre o bandido.

Houve pessoas prejudicadas, e mais prejudicadas ficaram porque houve alguém que achou por bem defender os coitadinhos que, de uma forma ou de outra, terão sempre uma justificativa para cometerem os actos de bandidagem, de vandalismo ou apenas de irresponsabilidade.

Não é uma questão de falta de dinheiro, de se morar em bairros sociais ou de se ser de um extrato social maior ou menor, porque como referi aqui, os Joões Maria tinham falta de qualquer coisa mas não era de dinheiro. Era educação, empatia, moral, consciência e dignidade.

O homem do Citröen é um coitado porque teve a chapa do seu carro amolgada, mas todos os outros, tanto os que cometeram o acto, como os que os defenderam, não são só uns coitados. São uns pobres coitados, uns derrotados e uns desgraçados, que não permitem que outros como eles sejam postos no lugar porque imaginam que um dia podem ser eles naquele lugar. É por isso que a nossa sociedade está cada vez mais podre e decadente, porque mais facilmente nos colocamos no lugar do esgoto e da ratazana, do que no lado de quem trabalha, tem educação e respeito pelo próximo.

24
Ago21

Educação Reciclável


Pacotinhos de Noção

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E eis-nos a chegar quase ao fim de Agosto.

Se para alguns miúdos o ideal fossem férias o ano todo, outros há em que já começam a sentir umas borboletas na barriga a imaginar como tudo vai ser.

O medo de mudar de turma, que número é que vão ser e se terão ou não que levar com aquele professor rabugento.

Com o aproximar do início do ano lectivo começam os anúncios de "Regresso às aulas" e as reportagens para saber quanto vão os pais gastar em material escolar.

Uns falam em 300€, outros em 400€ e alguns até em 500€, porque é preciso comprar tudo novo. Mochilas, lápis de cor, canetas de feltro e os caderninhos todos. Para algumas disciplinas será preciso um dossier, porque há professores que preferem assim.

Depois temos os manuais. Todos novinhos e brilhantes, com aquele cheirinho a livro novo, cuja única coisa que se estranha é ainda não se terem lembrado de o transformar em perfume.

Tudo muito agradável, bonito e (mais uma vez) hipócrita.

Então vou comprar uma caixa de aspirinas e se pedir um pequeno saco de papel vegetal, que numa situação de mesmo muito aperto nem para limpar o rabo serve, tenho que pagar 0,10€ como forma dissuasora para que eu não o compre, com o intuito de mais facilmente se criar uma sociedade sustentável. Então não é que todos os anos, e quando digo todos são mesmo TODOS, os papás vão comprar material novo porque o do ano passado não serve. O que estava na altura na moda agora já não está. Os lápis de cor já tem a lata um poucochinho amachucada e assim o Martim não gosta. Grande parte dos cadernos ainda não chegaram a meio, mas o Afonso tinha tão pouco cuidado e então são precisos cadernos novos.

E os manuais?

O Governo, que nos taxa para diminuir a pegada ecológica, o mesmo Governo que não me deixa beber café em copos de plástico, tendo assim que beber nuns de cartão que mais parece o centro de um rolo do papel higiénico, tendo nas mãos uma oportunidade de ouro para incentivar à reciclagem, preferem dar prioridade aos "lobbies" das editoras e lançar manuais novo todos os anos, mudando só textos de página, e um ou outro desenho.

Mas quem quer ganhar dinheiro é natural que componha os seus estratagemas, o que não é natural é que quem não queira gastar o seu, o faça com tanto à vontade.

Porque é que os encarregados de educação este ano não inovam e tentam incutir aos seus pupilos o hábito de reaproveitar. Agarram nos cadernos antigos e criam novas capas. Os lápis de cor já não têm lata então façam um pequeno estojo... Bem sei, isto acaba por ser educar e há pais que se recusam determinantemente a ter este tipo de atitude para com os seus filhos, mas às vezes podem experimentar. Pode ser que resulte e pode até ser que gostem.

Para terminar ousarei fazer uma sugestão ao Ministério da Educação.

Bem sei que convém dotar os meninos todos com tablets e computadores portáteis. Vem ai a bazuca e enquanto se factura 150, gastam 40 e os restantes 110€ esfumam-se como que por magia. Mas se eventualmente conseguirem arranjar outro esquema mais vantajoso para forrar os vossos bolsos, eu sugeria um conteúdo programático obsoleto, é verdade, mas que acredito ser de máximo valor. Em vez dos computadores, que tal ensinar os garotos a ler e escrever!? Em casos extremos até ensinar umas continhas, ou a tabuada. É excêntrico, mas fica a dica.