O país que me faz órfão
Pacotinhos de Noção
Parece-me que começa a chegar a altura em que tenho que tomar uma atitude.
Portugal não vai no bom caminho. Quer em termos económicos, mas também sociais.
Não sou um tipo velho, mas lembro-me das crises mais recentes. A vinda da troika, de outra altura em que diziam que o país estava de tanga, e de uns anos 80, antes da entrada na CEE, em que não havia grandes luxos e em que a inflação estava altíssima. As duas grandes diferenças dessas crises, para esta que agora vivemos, é que a esta ainda ninguém se lembrou de chamar de "crise", e nesta, enquanto há urgências a fechar, não há médicos para trabalhar, professores a reivindicar e pessoal a morar em tendas, temos um Governo, que com o maior descaramento, faz propaganda política, enganando os otários que se querem deixar enganar, afirmando que vão baixar o IRS, e atribuir apoios que irão melhorar a vida do comum português. No entanto, também vão aumentar uma série de impostos indirectos, que engolirão qualquer baixa de IRS, ou outra esmola que seja atribuída. No meio disto ainda se orgulham de afirmar que irá haver excedente orçamental.
Factos concretos:
Tenho um negócio próprio desde 2012.
Sempre foi próspero, e mesmo hoje trabalho não me falta. Aquilo que falta é dinheiro. Não posso aumentar preços ao valor da inflação, os clientes não suportariam, mas a mim, e a toda a gente, aliás, tudo é cobrado ao valor da inflação, e até acima, porque há sempre quem se queira aproveitar.
Luz, água, higiene e segurança no trabalho, material, seguros, tudo sofreu um aumento terrível, menos os meus ganhos, que pelo contrário, têm diminuído.
Depois um tipo houve que o IUC vai aumentar, os sacos de plástico da fruta vão passar a ser a 0,04 €, que determinados produtos vão sofrer alterações nos valores para nosso bem, pela nossa saúde, ou pelo ambiente, e um tipo sente que está a ser roubado por um carteirista que faz questão de nos mostrar que nos está a enfiar a mão no bolso, e que na sua procura pela carteira, ainda faz também questão de nos apertar, fortemente, um testículo.
Poderia pensar que estou num belo país, com gente afável e simpática, e bela comida, mas a comida também está a encarecer. Se a gasolina está cara, o azeite está pela hora da morte, e entre uma e outra coisa, convenhamos que um bacalhau temperado com Sem Chumbo 95, não é o prato mais apetecível.
Relativamente à gente "afável e simpática", esqueçam. Cada vez vejo mais gente estúpida, idiota, mal-encarada, agressiva e digna de pouquíssima confiança.
Resumindo, quem gere o meu país está a fazê-lo de forma miserável, quem vive no meu país parece estar acostumado a apenas sobreviver, e sente-se bem com isso. Pois eu não sinto, e digo desde já que não sou minimamente nacionalista. Não é um hino, uma bandeira, uma língua que me prende a Portugal. É o sangue, é apenas o sangue que o faz, mas há uma altura, que mesmo o sangue sendo forte, há que pensar no sangue que descende do nosso.
O sangue que me prende a esta malfadada terra é o sangue da minha mãe e dos meus irmãos, mas o sangue que me faz querer mudar, para melhor, é o dos meus filhos e da minha mulher, e eles ainda têm uma vida pela frente, que quero que seja a melhor possível, e para tal têm que estar num sítio que os respeite, que lhe dê a oportunidade certa para poderem evoluir.
Não é num país como este, em que um licenciado, um mestrado, um doutorado, ganha pouco mais que o ordenado mínimo, ou mesmo que ganhem quase o dobro, ainda assim não conseguem alugar a porra de uma casa para morar.
Penso seriamente em ir embora. Tenho o destino, tenho a oportunidade, tenho a facilidade de ter quem lá me guie para dar os passos certos, e acima de tudo tenho um sítio que respeita os cidadãos que lá moram, sejam nacionais ou não.
Se for, irei com sofrimento e tristeza. Tenho aqui a minha história, as minhas recordações, as minhas alegrias e tristezas.
Sou órfão de pai, desde 2013. Foi algo que me fez sofrer, e embora me tenha habituado a viver com isso, a verdade é que quase todos os dias lembro-me dele. Mas e como suportarei ser órfão de mãe viva?
Sou filho da mamã... Fiquei ainda mais depois da morte do meu pai. Todos os dias falo, ou estou com a minha mãe, e com os meus irmãos, assim como os meus filhos, que diariamente estão com a avó e com os tios, e é isso que sei que me vai custar mais.
A língua, a cultura, o clima, são coisas que serão difíceis, mas não me assustam particularmente. O que me assusta é a consciência de que indo para fora, e não sendo a minha mãe uma velhota com os pés para a cova, mas não sendo já uma pessoa jovem, as vezes que poderei voltar a estar com ela, e os meus filhos com a avó, poderão não chegar aos dedos das duas mãos, e isso deixa-me transtornado, triste, amargurado.
Todo o filho tem que abandonar o ninho, e eu abandonei o meu já há algum tempo, mas não deveria ser preciso ter que mudar de floresta, e é isso que vai acabar por acontecer.
Esta consciência, infelizmente, não é só minha. O meu filho de 6 anos, sabendo da mais que provável hipótese de nos irmos embora, chorou. Chorou e disse que tem medo de ir embora e não chegar a ver mais a avó. Obviamente que afirmámos que todos os anos cá voltaremos, mas será que é verdade? A vontade é essa, mas conseguirei corresponder à minha vontade?
Não sei. Sei, isso, sim, que os políticos nojentos deste país me estão a obrigar a ser órfão de mãe, e os meus filhos órfãos de avó, muito antes daquilo que deveriam ser.
Agradeço que não me venham com a história de que é possível fazer vídeochamadas, porque um beijo, uma gargalhada, ou um simples queixume de uma determinada dor, que a minha mãe possa sentir, não tem a mesma força quando é feita por videochamada.
Sou fatalista? Talvez sim, talvez não, mas uma coisa garanto-vos. Por muito fatalista que seja, podem ter a certeza do seguinte, ainda ninguém conseguiu prever, nem mesmo um fatalista como eu, o nível de m€rda a que este jardim, à beira-mar plantado vai chegar. Vai ficar um jardim ainda mais bonito, de tão estrumado que vai ser, mas não haverá ninguém a cá viver, porque aquilo que nos permitem, não é vida.