Ontem fui finalmente ver o "Indiana Jones e o Marcador do Destino".
Antes de falar do filme gostava dizer que este texto conterá "spoiler", e referir-me ao cinema NOS, do Almada Fórum.
Não sei se é falta de investimento, se é relaxamento, mas o facto das escadas rolantes não funcionarem, e a falta de higiene que senti no cinema, levam-me a ir percebendo, cada vez mais, que o afastamento das pessoas, no que às salas de cinema diz respeito, não tem só que ver com as plataformas “streaming”, que hoje temos como oferta. Acredito que quem despenda de algum do seu tempo, e do seu dinheiro, para se deslocar a um cinema, que se submeta à chatice de levar com os idiotas que atiram pipocas, e aos que teimam em verificar o telemóvel numa sala escura, o mínimo que exigem é que haja conforto e higiene, coisas que ontem me falharam.
Ah, gostava também de referir como me incomoda ter os funcionários do cinema a fazer pressão para que eu saia da sala, quando sabemos que grande parte dos filmes, agora têm cenas após os créditos. Ainda se fosse para procederem à limpeza do espaço, compreendia, mas tendo em consideração quão suja estava a sala, logo no início, claramente não é.
Mas vamos ao filme, propriamente dito.
Foi o melhor Indiana Jones que vi? Não foi.
Gostei da história, gostei das cenas iniciais onde rejuvenesceram, digitalmente, o Harrison Ford, transformando-o no Indiana Jones que estávamos habituados a ver nos anos 80, o que nos mostra como está bem feito, pois até temos um ponto de comparação para nos basearmos. Gostei da inclusão de personagens que fizeram parte de outros filmes da série, embora me tenha feito muita confusão ver um John Rhys-Davies tão envelhecido, fazendo esquecer a força que transmitia o anão Gimli, do "Senhor dos Anéis", ou até o próprio Salah, mais jovem, nos outros filmes da série... E é nesse ponto que para mim o filme foi mais forte.
Esteve sempre presente, durante toda a película, que o forte da história não é o que está explícito, a busca pelo Marcador do Destino, e todas as peripécias inerentes. O filme marca mais por nos mostrar um Indiana Jones velho, cansado, não das aventuras, curiosamente, mas das tareias que a vida lhe foi aplicando.
Relembro que em "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal", Shia LaBeouf apareceu como filho do herói. A ideia com que muitos ficaram, e eu incluo-me nesses "muitos", foi a de que LaBeouf iria continuar a saga do Indiana Jones, mas as coisas não correram como se esperava. O filme não foi aclamado conforme se pretendia, a personagem do filho não foi querida pelo público, e Shia LaBeouf viu-se envolvido em demasiados escândalos, situações que a Disney não viu com bons olhos. Solução, matou-se o filho do Indiana, que foi mais uma cruz, para a personagem do arqueólogo carregar.
Outra das cruzes é a constatação de que foi passada toda uma vida, em que no final há o enorme risco de se terminar sozinho. Existem as memórias de tudo aquilo que já se foi, que já se teve, e no fim acaba por não haver nada... Nem sequer o respeito dos alunos, e isso fica também muito notório numa cena em que este Indiana, que vive agora nos anos 80, dá aulas a um conjunto de alunos, que pouco ou nada ligam àquilo que ele lhes está a transmitir, muito diferente da cena icónica do primeiro filme de todos, em que as alunas bebiam as palavras do professor, na altura jovem e viçoso, vestido com um fato bem engomado, no auge das suas peripécias, e com uma vida inteira pela frente. De tão enfeitiçada, havia até uma aluna que tinha escrito nas pálpebras "I love you".
A vida passa a correr por todos. Se eu, prestes a fazer 42, sinto que até aqui foi um pulinho, e receio o amanhã que já me parece tão próximo, o que dizer de alguém que está na casa dos 80, e que ainda por cima teve o Mundo a seus pés. Esta é a parte em que julgo que até Harrison Ford confundiu a ficção com a realidade, porque acho impossível que não o tenha feito. Eu, enquanto espectador, não me consegui dissociar deste pensamento, e devo admitir que num filme que é de aventuras, de puro entretenimento, dei por mim com lágrimas nos olhos variadas vezes, percebendo até as lágrimas que o actor deixou que lhe rolassem livremente, quando viu Ke Huy Quan ganhar a sua estatueta nos últimos Óscares. Era o menino, que com ele se deu a conhecer, no "Templo Perdido", que depois desapareceu da ribalta, e que renasceu, qual fénix, para brilhar ao mais alto nível, mas já não era aquele menino. É um senhor de 52 anos. Uma idade mais avançada do que aquela que Ford tinha quando fez o Indiana Jones, no qual contracenaram.
Mas esta percepção mais intimista poderá ser apenas a minha, que tenho paixão pela saga. Foi dos primeiros filmes que vi no cinema, o meu primeiro caderno escolar foi do Indiana Jones, e Harrison Ford e daqueles actores que me fazem ver qualquer coisa que faça, mesmo que à partida me pareça que não vá gostar.
Já senti este encerramento de ciclo na sua participação no "Star Wars - The Rise of Skywalker", no "Blade Runner 2049", e agora neste.
Mas Harrison Ford está aí para as curvas, e tem mais filmes a serem gravados, o que é de aproveitar enquanto se pode.
Voltando mais concretamente ao filme, devo dizer que gostei da personagem de Phoebe Waller-Bridge. Não sendo uma actriz feia, não caíram no erro de escolher uma qualquer boneca que só existiria para tentar prender público masculino bronco ao ecrã, como foi feito, por exemplo, no "Transformers" com Megan Fox, que tem o talento de uma mola da roupa.
Phoebe foi um acrescento, deu piada e acção ao filme, e sempre tendo dado bordoada, quando foi necessário, os argumentistas não caíram no erro de tentar passar a mensagem da emancipação feminina, da luta contra o patriarcado, de como ela é forte e não precisa de homens, etc, etc.
Por falar nisso, outro filme que vi, e gostei, foi o "Três Mosqueteiros".
Não é dele que estamos a falar, mas queria só sublinhar como me parece ridículo colocarem Porthos como sendo bissexual. Na "Triologia dos Mosqueteiros" de Alexandre Dumas, não existe sequer menção a isso, o que mostra, precisamente, que é uma vénia dos autores do filme, a esta cultura woke, que quer obrigar a que todas as obras tenham que incluir todos os credos, todas as cores, todas as condições sexuais. Não interessa se algo for desvirtuado, desde que a cultura que eles defendem seja a vigente. Peço desculpa pelo aparte.
Concluindo.
Gostei do filme, deixou-me um tanto ou quanto melancólico. Não é uma obra para prémios, não é de perto nem de longe tão bom quanto os "Salteadores da Arca Perdida" ou o "Templo Perdido", está longe, mas mesmo muitíssimo longe disso, mas deu, não para matar saudades, mas antes para nos dar saudades daquilo que já passou e que não mais voltará. Quer a nós, que vimos aqueles filmes, e vivemos aquela época, quer aos actores, que os fizeram e que viveram épocas fenomenais, que agora, infelizmente, se estão a terminar. O tempo deles não acabou, mas claramente que mudou.
E é isto. Comecei este texto para falar acerca de um filme, acabei por falar em vários, abordei mais do que um assunto, e até vos falei acerca de lutas e medos interiores que tenho, que julgo que o Harrison Ford tem, e que muitos dos que me lêem certamente que também terão... Que caldeirada esquisita de assuntos que isto se tornou, mas espero que saiba tão bem ler, como me soube a escrever.