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Pacotinhos de Noção

A noção devia ser como o açúcar e vir em pacotinhos, para todos tomarmos um pouco...

A noção devia ser como o açúcar e vir em pacotinhos, para todos tomarmos um pouco...

Pacotinhos de Noção

22
Out22

"Bullying" encadernado


Pacotinhos de Noção

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Nas escolas, e jardins de infância, do concelho de Cascais, têm sido distribuídos uns livrinhos com o intuito de fazer perceber às crianças que o consumo de açúcares traz malefícios para o corpo.

Até aqui tudo muito bem… Quer dizer, mais ou menos bem. O açúcar EM EXCESSO traz malefícios para o corpo, assim como tudo. Sei de um tipo que se envenenou a comer cenouras. De tanto as comer ficou com carotenemia, o que prova que tudo em excesso faz mal. Se proibirmos totalmente o açúcar, acaba por acontecer como com o sal, em que ao ser cortado em quase todos os alimentos, no pão inclusivamente, cria com que se desenvolvam carências que tem depois  que ser combatidas. Algo preocupante é a carência de iodo, por parte das grávidas. O sal que consumimos é iodado, mas havendo um corte no consumo do mesmo, o iodo que devia ser ingerido não o é, e a falta de iodo em grávidas pode originar uma má formação do feto, a nível cerebral e motor, e mesmo que o bebé nasça, poderá ter o seu futuro condicionado, pois a falta de iodo no bebé, é dificilmente revertida, criando dificuldades de aprendizagem na criança, por exemplo. Mas nem é sobre este assunto que vos quero falar. Voltemos então aos tais livrinhos que diabolizam o açúcar.

Ao folhearmos o compêndio, temos receitas sem açúcar, a quantidade de açúcar em determinados alimentos, mas temos também algumas personagens criadas por quem idealizou o livro.

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Temos um rapaz maravilha, que não come açúcar, temos um tipo de bigodes, que é "O Inspector do açúcar, um "bufo" da doçaria, temos uma "Rainha do Lanche", e temos ainda mais uma personagem que difere de todas as outras.

Os três primeiros que referi são perfeitos e maravilhosos, são elementos que queremos na nossa sociedade e que gostaríamos até de ser. Não há nada a apontar-lhes.

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Todas as histórias têm os seus vilões e nesta poderíamos julgar ser só o açúcar, mas não. A última personagem é alguém pérfido, hediondo, miserável. É alguém que seriamos capaz de utilizar como forma de ameaça aos nossos filhos, caso não comam a sopa ou queiram um chocolate. Se eles insistissem nas suas vontades, não hesitaríamos em dizer: "Se comes esse chocolate vais-te transformar no "Bolachudo Preguiçoso"! Exactamente, é esta a última personagem. Um tipo gordo que, por ter massa adiposa a mais, é apelidado de "bolachudo", de "preguiçoso" e como tal pode ser estigmatizado.

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Numa altura em que utilizar palavras como preto ou maricas, em contextos que não tenham nada a ver com raciais ou sexuais, é visto com maus olhos pela sociedade, levando até a cancelamentos, não consigo perceber  como é admissível que a simples característica física de determinada pessoa possa defini-la como sendo "preguiçoso"?

E se para as mulheres "o meu corpo, as minhas escolhas", por que motivo é que "o meu corpo, as minhas escolhas", não pode ser para qualquer um que queira comer o que lhe convir.

Todos os dias tenho que levar com vários tipos que fumam erva, charros, seja o que for. O cheiro daquela trampa incomoda-me, mas, pelos vistos, é só a mim, pois não vejo muitas pessoas com ar de incomodados, porque ao que parece cada vez vai sendo mais bem aceite o consumo de drogas leves em qualquer lado. É mais bem aceite ver um puto de 16 anos a fumar um charro, do que um, que seja gordinho, a comer um Big Mac.

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras, pergunto-lhe aqui quantas crianças, que terão tido acesso a este livro, acharam piada ao apelido utilizado para catalogar o indivíduo gordo, e não o passaram a usar para ofender o menino gordo da sua classe, ou da sua turma, iniciando, ou continuando assim, um trajecto de "bullying" que marcará o carácter de quem o pratica e de quem o sofre, e isto com a chancela da CMC, que foi quem distribuiu, e talvez quem encomendou a obra. O objectivo final até poderia ser cheio de boas intenções, mas foi feito por alguém que não está habituado a pensar esta área. Porque não pesquisaram um pouco, ou porque não entraram antes em contacto com a APCOI (Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil), que tem já anos de trabalho nesta área e que faz este caminho sem fundamentalismos baratos e sem estigmatizar nenhum tipo de pessoas. Sei do que falo, conheço o trabalho deles há anos, e a maneira exemplar como o fazem. Por acaso também sei do trabalho que sempre tentaram fazer chegar às escolas, mas que lhes foi sempre dificultado, principalmente pelas Câmaras, que não se mostram receptivas à obra da Associação. Provavelmente porque com eles não conseguem nenhum tipo de "lobby", mas isto já sou só eu a especular.

Mas diga-me Sr. Presidente, acha correcto definir seja quem for pela aparência? É 100% crível que alguém com peso a mais seja preguiçoso, ou que seja gordo apenas porque come demais?

Ficaria satisfeito se fosse avaliado apenas pelo seu aspecto físico? Gostaria de ser catalogado como "O merceeiro vigarista" ou "O imigrante bebedolas"? Não digo que tenha alguma destas características, mas assim de repente posso tirar estas conclusões, mas seria abusivo da minha parte, não seria?

Mas debrucemo-nos também no facto de que na realidade o peso que se aparenta em nada tem a ver com se um corpo é saudável ou nutrido. Temos miúdos que, aparentemente, são saudáveis, principalmente porque são macérrimos, mas que vistos à lupa estão quase subnutridos e com carências vitaminicas porque se alimentam, quase exclusivamente, de bolachas, cereais, achocolatados e ovos Kinder, por exemplo.

Há que acabar com este movimento crescente de que todos, adultos e crianças, têm que responder a um padrão físico em que quanto mais magro melhor. Vejo crianças de 6 e 7 anos preocupadas com o peso, e se deveriam fazer dieta para perder umas gordurinhas, mas que não sabem aplicar adequadamente um "Bom dia", um "Boa tarde", um "Se faz favor" e um "Obrigado".

Não sei se me agrada muito a ideia de que caminhamos num sentido em que cada vez mais teremos pessoas a comer menos açúcar, saudáveis fisicamente, mas que moralmente serão calhaus insensíveis que avaliam apenas por aquilo que lhes parece, e não por aquilo que as pessoas lhes transmitem.

03
Ago22

O culto do físico não cultiva a mente...


Pacotinhos de Noção

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… nem a educação, pelos vistos.

Caminhando pelo Instagram, vemos vendedores da banha da cobra, doutores da mula russa e nutricionistas de "lanchonete de academia", e é sobre este último que vou falar, mais especificamente de uma senhora, que se intitula como sendo uma especialista em "Nutrição com verdades".

Esta senhora é a @deborahmoss e conta com mais de 120 mil seguidores, o que sendo imenso para um país como Portugal, é um bocadinho "mixuruca" para um país enorme como o Brasil.

Esta suposta nutricionista é apologista do ginásio, de dietas, do emagrecimento e das verdades que quem não consegue emagrecer merece ouvir, neste caso ler.

Está no seu direito, e se desta forma consegue ajudar algumas pessoas, então que continue o seu trabalho. Aquilo que mais me incomoda é que alguém que gosta de espalhar a sua verdade, seja tão avessa a que existam outras verdades, e que alguém as expresse.

As fotos que emolduram este texto são algumas das verdades ditas, e a minha consequente opinião acerca do impacto que essas verdades poderão ter. Julgo não ter sido ofensivo, mas ao que parece disse algo menos próprio, tendo em consideração a resposta da "nutricionista" pela verdade, e porque fui de imediato bloqueado.

Não sigo a página, não pretendia seguir. Apareceu por acaso no feed do Instagram, li e achei dever "dar os meus 5 cêntimos". Ninguém me os pediu, não nego, mas se isto é uma rede social, e se aquela página até é pública, pensei que poderia, e deveria, comentar, pois acho genuinamente que aquilo que aquela senhora faz, ou pelo menos da forma como o faz, não é motivador, muito pelo contrário.

Isto é o tipo de motivação que se vai buscar ao "bully" de uma qualquer escola, que se vira para alguém com peso a mais e lhe diz "És ganda gordo, vai mas é comer m€rd@", ou o clássico "És tão gordo que as tuas cuecas devem ser uma tenda".

Não sou apologista da gordura, da magreza excessiva ou do culturismo. Defendo que cada um é como quiser ser, como se sente bem, ou como consegue ser. Não existe um gordo que goste de ser gordo, a história de que os gordos são todos contentes e bem-dispostos é um mito. Na verdade, grande parte dos gordos são pessoas com falta de amor-próprio, com necessidade de carinho que às vezes não sentem, e pessoas que passam por grandes depressões, mas NÃO SÃO TODOS.

Há também os que são gordos, e que embora não gostem de o ser (apenas por razões práticas) seriam muito mais infelizes ao terem que lutar contra a balança. Larguem-nos da mão, deixem-nos viver como querem.

A cultura do saudável e do "fit" é para já uma mentira, quando nos apercebemos que alguns dos corpos de pessoas consideradas saudáveis, chegaram àquele estado recorrendo a ginásios, e muito bem, mas também a lipoaspirações, injecções de botox, injecções de medicamentos para diabéticos - esta, em particular, está muito na moda agora - caminhando na direcção oposta ao saudável que tanto apregoam.

Voltando ao que me levou a escrever sobre isto gostaria de sublinhar o comentário que deixei para a senhora bloqueadora.

Emagrecer é uma luta esmagadora. É lutar contra algo que há partida tem mais poder que tu, e se para além de todas as contrariedades inerentes à tentativa de emagrecer aparecer uma ridícula com a mania que é doutora, apontando o dedo acusador, fazendo com que a pessoa se sinta um trapo e uma falhada, a luta então é multiplicada por 1000.

Um gordo que passa uma vida a ser apontado, gozado e desprezado, e ainda assim consegue não ser um amargurado, tem muito mais força do que uma nutricionista da verdade, que não aguenta uma crítica, ou um comentário que difere das vénias constantes que os seguidores desta pessoa lhe fazem.

Não precisamos de ser todos iguais fisicamente, a única igualdade que se quer é nas mentalidades e no respeito.